Aplicativo auxilia no processo de reabilitação cirurgia do ombro

Usage Evaluation ofa Mobile App to Help Understand the Rehabilitation Process of Shoulder Surgery

André Luis Giusti – Sandro da Silva Reginaldo – Thiago Barbosa Caixeta Eduardo Damaceno Chaibe – Leonardo Vieira Santos Moraes – Rodolpho Lemes de Oliveira

  • Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Hospital das Clínicas da   Universidade    Federal   de   Goiás,    Goiânia,  GO,    Brasil
  • Centro de Reabilitação e Readaptação Dr Henrique Santillo, Goiânia, GO, Brasil
  • Hospital Ortopédico de Goiânia, Goiânia, GO, Brasil

Rev Bras Ortop

Resumo do estudo

Objetivo Avaliar a qualidade de um aplicativo de celular, o aplicativo auxilia no processo de reabilitação cirurgia do ombro para orientar pacientes no período pós-operatório.

Métodos Desenvolveu-se um aplicativo gratuito e de fácil acesso para auxiliar os pacientes em domicílio. Os indivíduos foram monitorados quanto ao uso do aplicativo e adaptação à sua prática antes do início da fisioterapia. Ao final de 6 semanas, aplicou- se um questionário qualitativo para avaliar a usabilidade do aplicativo.

Palavras-chave

  • reabilitação
  • ombro/cirurgia
  • fisioterapia
  • ortopedia
  • telefone celular

Resumo dos Resultados

Um total de 97% dos respondentes afirmaram que foi fácil executar o download do aplicativo, que os exercícios sugeridos foram prontamente entendidos, e relataram que indicariam o aplicativo.

Noventa e três por cento da amostra concorda que o aplicativo fez com que se sentissem mais participativos com relação ao tratamento de sua doença, enquanto 90% consideraram o aplicativo autoexplicativo.

Conclusão: o uso de uma plataforma virtual é uma ferramenta de compreensão sobre o tratamento e auxilia na prescrição médica de exercícios pós-operatórios domiciliares.

Trabalho desenvolvido no Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil.

Introdução

As orientações dadas pelo médico sobre o processo de reabilitação após um procedimento cirúrgico são essenciais para um bom resultado final e devem ser bem compreendidas pelo paciente. Os protocolos de reabilitação vêm sendo discutidos e aplicados há tempos, embora variem de acordo com o tipo da lesão tratada, orientação do serviço e preferência do cirurgião.

De forma geral, a reabilitação é tão importante quanto o procedimento cirúrgico, visto que a articulação do ombro está sujeita a uma rápida instalação de rigidez articular e atrofia no pós-operatório.1 Deste modo, é importante que o paciente realize alguns movimentos antes de ser encaminhado para um serviço de reabilitação.2

À medida que o acesso à internet e as tecnologias aplica- das a smartphones avançam, tanto a população como a medicina tentam acompanhar esta evolução. Assim, a comunicação médico-paciente pode ser realizada de forma virtual através de aplicativos pelo celular3–9 para discutir orientações pós-operatórias, promovendo a retirada de dúvidas simples, o estreitamento da relação médico-enfermo.7

É inegável que a tecnologia por meio dos novos aplicativos de celulares foi desenvolvida, definitivamente, para facilitar a comunicação.8 Sem dúvida o paciente torna-se atuante no seu tratamento,4 sente-se incluído e, com isso, torna-se mais participativo.

Para esclarecer dúvidas relacionadas ao procedimento, foi desenvolvido um aplicativo com vídeos autoexplicativos para que o paciente possa rever a orientação de seu médico. O aplicativo não tem a intenção de tratar o paciente, sendo pela sua simplicidade, um meio de comunicação, sobre o qual o paciente deve seguir a prescrição do profissional.

Deste modo, o presente estudo objetivou avaliar qualitativamente um aplicativo desenvolvido para orientar pacientes no período pós-operatório de procedimentos cirúrgicos do ombro, auxiliando o indivíduo no entendimento sobre o processo inicial de reabilitação.

Materiais e Métodos

O trabalho consistiu na aplicação de um questionário para avaliação da percepção dos pacientes sobre a criação de um aplicativo que os oriente no pós-operatório em cirurgias realizadas no ombro.

O questionário continha questões sobre a facilidade em se realizar o download, facilidade para o entendimento dos exercícios, possível indicação do aplicativo, posicionamento sobre a participação do paciente com relação ao tratamento da doença e se o indivíduo considerou o programa autoexplicativo.

O aplicativo foi criado a partir do software iGenApps (iGenApps, São Francisco, CA, EUA), disponível nos sistemas Android@ e Playstore. Este foi desenvolvido para ser utilizado de maneira gratuita, com linguagem simples e didática, através de uma sequência de textos, vídeos e ilustrações (►Figura 1).

A plataforma para sua criação foi o programa iGenApps, que usa linguagem Java e auxilia na criação de aplicativos tanto para o sistema Android como para o iOS. A criação e desenvolvimento deste foram realizados por um dos autores (►Figura 2).

O software iGenApps permite a inserção de textos e links de vídeos. Deste modo, foram gravados uma série de vídeos pelo YouTube, sendo que os links, além dos textos, foram disponibilizados no aplicativo.

Após a cirurgia, as orientações pós-operatórias foram realizadas normalmente pelo médico assistente. O diferencial foi a solicitação para que o paciente assistisse aos vídeos e relembrasse os exercícios demonstrados na primeira consulta pós- operatória.

Os pacientes foram monitorados quanto ao uso do aplicativo através de uma ferramenta do aplicativo que informava quantas vezes ele foi acessado. Ao final de 6 semanas de acompanhamento, época em que o paciente é encaminhado à reabilitação, foi fornecido o questionário para avaliação do uso e facilidade do aplicativo em questão, integralmente de forma qualitativa (Anexo 1).

Foram avaliados 32 pacientes, dentre os quais, 2 foram excluídos devido a falta de acesso a internet própria ou compartilhada (ambos moravam em zona rural). A aplicação do questionário foi realizada para os pacientes em pós-operatório dos hospitais credenciados relativos ao treinamento avançado de cirurgia do ombro e cotovelo da nossa instituição.

Resultados

Dos 30 pacientes que compuseram a amostra, 13 eram do sexo masculino e 17 do sexo feminino, com idade  média de 48 anos e nível escolar, em sua grande maioria, fundamental (10 pacientes) e médio (14 pacientes). Nenhum dos avaliados tinham pós-graduação, apenas dois tinham curso superior e três pacientes eram não escolarizados.

Observou-se que, a maioria dos pacientes acessaram o aplicativo entre 5 e 10 vezes (►Figura 3).

Com relação à aplicação do questionário, foi possível constatar que 97% dos respondentes referiram fácil download, alegaram facilidade de entendimento dos exercícios e indica- riam o aplicativo para alguém que tivesse dúvidas em relação à realização desses no período após procedimento cirúrgico ao nível do ombro.

Quando perguntados se o aplicativo fez com que se sentissem mais participativos com relação ao trata- mento da sua doença, 93% referiram que sim e 90% consideraram o aplicativo autoexplicativo. Os dados referentes à aplicação do questionário estão descritos na Tabela 1.

Discussão

Com relação ao entendimento dos exercícios, os entrevista- dos afirmaram que o aplicativo facilitou de alguma forma a compreensão. Um dos avaliados relatou: “os vídeos me trouxeram segurança para executar os exercícios prescritos pelo médico.”

A visualização por meio dos vídeos,  fez  com que o paciente pudesse ver e rever os exercícios prescritos, diminuindo assim as dúvidas de execução em seu domicílio. Estes dados corroboram com o encontrado em uma pesquisa, na qual os aplicativos para smartphones foram considerados práticos.10

Em contrapartida, a queixa sobre a baixa evidência científica sobre o uso de aplicativos aplicado à reabilita- ção,3 validação, e falta de participação médica direta nos aplicativos não foram observados em nosso estudo.

Houve participação médica direta em todas as fases da criação do aplicativo, e os exercícios propostos nos vídeos já  haviam sido descritos e validados em outro estudo de reabilitação.1

A satisfação perante o uso do aplicativo foi observada na pergunta “Você indicaria o aplicativo para alguém que tivesse dúvidas em relação ao procedimento cirúrgico?,” para a qual uma porcentagem significativa demonstrou aceitação.

Observam-se duas situações que justificam tal aceitação. A primeira é a familiaridade com a tecnologia e a acessibilidade, pois o paciente pode, no conforto de sua residência, acessar a qualquer hora o programa. Esta praticidade é um fato também observado em outros estudos.4,8–12 A segunda é a sensação de maior proximidade médico-paciente.2

Apesar da proximidade médico-paciente proposta pelo programa, dois pacientes consideraram o aplicativo com os vídeos bastante didático, mas afirmaram que a explicação do médico sempre vai agregar mais informações.

Um paciente referiu que o aplicativo não teve nenhum impacto em relação ao entendimento, visto que o médico já tinha sanado todas as suas dúvidas. Isso demonstra que, apesar do auxílio tecnológico, a presença do profissional é de extrema relevância em qualquer fase de tratamento.

Outros achados similares ao nosso estudo foram descritos por Harder et al.,4 em que um aplicativo foi criado direta- mente por um profissional de saúde, no caso em questão um fisioterapeuta, cuja finalidade era auxiliar na reabilitação do paciente após procedimento de mastectomia.

O estudo teve impacto positivo, visto que o aplicativo auxiliou os pacientes no pós-tratamento para câncer de mama, porém com uma amostra inferior (nove pacientes) ao do presente estudo. Eaton et al.13 avaliaram o uso da interface no aprendizado médico e concluíram que esta auxiliou no aprendizado dos residentes e fellowships de cirurgia.

Rassouli et al.5 avaliaram o uso de diversos aplicativos por 20 dias, para reabilitação de pacientes com doença pulmonar crônica e concluíram que, além de ser uma ferramenta razoável, o aplicativo fornece informações adicionais aos médicos assistentes.

Outra pesquisa, realizada com o propósito de instruir exercícios domiciliares, avaliou cinco pacientes com capsulite adesiva e verificou que o uso da tecnologia é útil para reabilitação de pacientes.

A vantagem do aplicativo proposto no estudo foi a capacidade de avaliar e registrar nele próprio o grau de amplitude de movimento e duração do exercício por paciente.14

No presente estudo, o aplicativo não foi capaz de registrar o tempo de visualização de cada exercício; porém, foi possível identificar que este facilitou a comunicação e o entendimento dos exercícios, como o observado em diversas outras pesquisas.4–6,8

Gilbert et al.8 avaliaram a reabilitação de pacientes com doenças relativas ao ombro, através do aplicativo MUJO, (Paris, France) e concluíram que ele não interfere em nenhum protocolo de reabilitação já estabelecido. Pelo contrário, pode ser implantado e adaptado na rotina do médico assistente e fisioterapeuta especialista.

É sempre útil destacar que o não-seguimento das prescrições ou sua realização de forma errônea podem ocorrer, visto que nesse caso o paciente é parte atuante de seu tratamento. Como estudos futuros, sugere-se avaliar os pacientes que tiveram acesso e usaram o aplicativo, comparando a qualidade de sua reabilitação com a do grupo que não tenha utilizado esta tecnologia.

Conclusão

Conclui-se que o uso de uma plataforma virtual é útil para a compreensão sobre o tratamento e auxilia na prescrição médica de exercícios pós-operatórios domiciliares após procedimentos cirúrgicos de ombro.

O aplicativo proposto é de fácil entendimento, rápido para o sistema operacional e cumpre o objetivo de orientar o paciente como parte de seu tratamento, englobando-o como atuante no tratamento de sua própria enfermidade.

Conflito de Interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Referências

  • 1 Veado MAC, Flóra W. Reabilitação pós-cirúrgica do ombro. Rev Bras Ortop 1994;29(09):661–664;
  • 2 De Marco MA. Do modelo biomédico ao modelo biopsicossocial: Um projeto de educação permanente. Rev Bras Educ Med 2006;30 (01):60–72;
  • 3 Lau AY, Piper K, Bokor D, Martin P, Lau VSL, Coiera E. Challenges During Implementation of a Patient-Facing Mobile App for Surgi- cal Rehabilitation: Feasibility Study. JMIR Human Factors 2017;4 (04):e31;
  • 4 Harder H, Holroyd P, Burkinshaw L, et al. A user-centred approach to developing bWell, a mobile app for arm and shoulder exercises after breast cancer treatment. J Cancer Surviv 2017;11(06): 732–742;
  • 5 Rassouli F, Boutellier D, Duss J, Huber S, Brutsche MH. Digitalizing multidisciplinary pulmonary rehabilitation in COPD with a smartphone application: an international observational pilot study. Int J Chron Obstruct Pulmon Dis 2018;13:3831–3836;
  • 6 Zhang M, Ying J, Amron SB, et al. A Smartphone Attention Bias Intervention for Individuals With Addictive Disorders: Protocol for a Feasibility Study. JMIR Res Protoc 2018;7(11):e11822;
  • 7 Liu HT, Chia RM, Setiawan IMA, Crytzer TM, Ding D. Development of “My Wheelchair Guide” app: a qualitative study. Disabil Rehabil Assist Technol 2019;14(08):839–84;
  • 8 Gilbert AW, Hauptmannova I, Jaggi A. The use of assistive tech- nology in shoulder exercise rehabilitation – a qualitative study of acceptability within a pilot project. BMC Musculoskelet Disord 2018;19(01):133;
  • 9 De La Cruz Monroy MFI, Mosahebi A. The Use of Smartphone Applications (Apps) for Enhancing Communication With Surgical Patients: A Systematic Review of the Literature. Surg Innov 2019; 26(02):244–259;
  • 10 Wong SJ, Robertson GA, Connor KL, Brady RR, Wood AM. Smart- phone apps for orthopaedic sports medicine – a smart move? BMC Sports Sci Med Rehabil 2015;7(23):1–7;
  • 11 Xie B, Su Z, Zhang W, Cai R. Chinese Cardiovascular Disease Mobile Apps’ Information Types, Information Quality, and Interactive Functions for Self-Management: Systematic Review. JMIR Mhealth Uhealth 2017;5(12):e195;
  • 12 Chen HC, Chuang TY, Lin PC, Lin YK, Chuang YH. Effects of Messages Delivered by Mobile Phone on Increasing Compliance With Shoulder Exercises Among Patients With a Frozen Shoulder. J Nurs Scholarsh 2017;49(04):429–437;
  • 13 Eaton M, Scully R, Schuller M, et al. Value and Barriers to Use of the SIMPLTool for Resident Feedback. J Surg Educ 2019;76(03):620–627;
  • 14 Stütz T, Emsenhuber G, Huber D, et al. Mobile Phone-Supported Physiotherapy for Frozen Shoulder: Feasibility Assessment Based on a Usability Study. JMIR Rehabil Assist Technol 2017;4(02):e6.

Anexo 1 Questionário

1) IDADE:
2) GÊNERO: M / F
3) ESCOLARIDADE: NÃO ESCOLARIZADO
ENSINO FUNDAMENTAL MÉDIO
SUPERIOR
PÓS GRADUADO

4) POSSUI INTERNET PRÓPRIA OU COMPARTILHADA?
SIM
NÃO

5) NÚMERO DE ACESSOS AO APLICATIVO: 0 A 5
5 A 10
10 A 15
MAIS QUE 15.

6) TEVE FACILIDADE PARA REALIZAR O DOWNLOAD DO APLICATIVO?
SIM
NÃO
7) O APLICATIVO FACILITOU O ENTENDIMENTO DOS EXERCÍCIOS?
SIM
NÃO

8) VOCÊ INDICARIA O APLICATIVO PARA ALGUÉM QUE TIVESSE DÚVIDAS EM RELAÇÃO AO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO?
SIM
NÃO

9) O APLICATIVO FEZ COM QUE VOCÊ SE SENTISSE MAIS PARTICIPATIVO COM RELAÇÃO AO TRATAMENTO DE SUA DOENÇA?
SIM
NÃO

10) VOCÊ CONSIDERA O APLICATIVO AUTOEXPLICATIVO (OU PRECISARIA DO MÉDICO PARA TE ORIENTAR)?
SIM
NÃO

Estudo devidamente registrado: https://www.thieme-connect.com

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Dr. Thiago Caixeta

Dr. Thiago Barbosa Caixeta é médico Ortopedista subespecialista em Cirurgia do Ombro e Cotovelo. Possui experiência em cirurgia do ombro e no tratamento de problemas como bursite, tendinite, artrose, doenças musculoesqueléticas, dentre outras.